domingo, 3 de novembro de 2013

Será possível alimentar a Humanidade (em crescimento) e preservar a Terra?

   Ainda em volta do tema da alimentação, no seguimento das publicações anteriores, reproduzimos artigo do P3, suplemento do jornal Público. Aconselhamos ainda a leitura do artigo Alimentos (e um planeta) para todos, pelo mesmo autor.

  Os desafios de comer sem destruir o planeta

    Duarte Torres, nutricionista

   Um dos maiores desafios globais com que nos deparamos actualmente é o da sustentabilidade alimentar.
    Vejamos o que se passa: somos aproximadamente 7,1 mil milhões de habitantes, um em cada oito passa fome e as crianças são as principais vítimas, sobretudo em algumas zonas da Ásia, África e América do Sul. Paradoxalmente, o solo cultivado produz hoje alimentos suficientes para alimentar toda a população mundial, mas, contabilizando as perdas que ocorrem durante a produção, o transporte, a transformação, a comercialização, e mesmo em nossas casas e restaurantes, desperdiçamos mais de um quarto dos alimentos que produzimos.
    Adicionalmente, dos cereais cultivados, utilizamos cerca de um terço para produzir rações que alimentam animais e cerca de um sétimo para produzir biocombustíveis que alimentam máquinas. À escala global, na fila para a comida, colocamos os animais e as máquinas à frente das pessoas.
    O rendimento da produção agrícola mais que duplicou nos últimos 50 anos, principalmente, graças ao melhoramento genético das variedades cultivadas, à utilização de fertilizantes e de pesticidas. Contudo, nos países mais desenvolvidos, tem-se verificado uma estabilização do rendimento da produção agrícola, sinal de que o potencial do modelo actual está a esgotar-se.
    Devido à irrigação intensiva, em algumas zonas da China e da Índia os aquíferos estão a esvair-se (70% da água consumida anualmente destina-se à produção agropecuária), e muitos cursos de água estão contaminados com pesticidas e fertilizantes que escorrem dos solos agrícolas. Já utilizamos cerca de 40% do solo disponível para a produção de alimentos e a área continua a aumentar, muito à custa da diminuição da área de floresta virgem e da perda de biodiversidade. Nas últimas duas décadas, países como as Filipinas ou a Indonésia viram mais de um quinto da área florestal desaparecer e todos os anos a Amazónia perde uma área equivalente à da Bélgica.  
    Do aumento da população mundial (espera-se que atinja os 9 mil milhões em 2050) e do aumento do poder de compra de grande parte dessa população (estima-se que o número de pessoas da classe média mundial aumente de 2 mil milhões para 5 mil milhões nos próximos 20 anos, provenientes principalmente do continente asiático) resultará, a médio prazo, a duplicação da procura de alimentos sendo que a de origem animal como a carne, o peixe, os ovos e os lacticínios (ricos em proteínas) aumentará ainda mais. De facto, mantendo as práticas atuais de produção e captura, satisfazer as necessidades proteicas da população humana recorrendo a fontes proteicas animais é um dos maiores desafios que enfrentamos. 
    Senão vejamos. A quantidade de peixe capturado atingiu o seu valor mais alto em 1994 e, desde esse ano, tem demonstrado uma ligeira tendência decrescente. Isso resulta em grande medida de práticas piscatórias altamente lesivas para os recursos marinhos que, a manter-se, exterminarão os oceanos em quatro ou cinco décadas. Exemplificando, estima-se que a pesca de arrasto de profundidade, anualmente, transforme numa área inerte uma extensão do fundo do mar equivalente à área da Rússia.
    A produção de carne tem também importantes implicações ambientais. Cerca de 70% da área agrícolas é utilizada para produzir pasto ou culturas para rações animais. Devido a esta exigência a produção de gado é considerada a principal causadora da desflorestação que tem vindo a ser verificada à escala mundial. A produção de gado ruminante (vaca, ovelha, cabra, etc) é também responsável pela produção de gases com efeito estufa em quantidade superior à produzida por todos os automóveis que circulam no mundo.
    Os desafios, como vemos, são muitos, e são globais. Mesmo assim, será possível pensar num mundo de abundância alimentar no futuro? Não será fácil, mas há soluções. Falarei delas no próximo artigo.
*Nutricionista e professor
Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação Universidade do Porto
dupamato@fcna.up.pt

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